" abril 2012 / da estante

sábado, 28 de abril de 2012

Anjo? Quem sabe...


Quisera eu, anjo, que você pudesse realmente me proteger, logo eu que nem acreditava em anjos. Quisera eu que você pudesse me alcançar e dizer o que preciso ouvir. Talvez eu seja imatura demais, ou então nem saiba o que esteja dizendo, ou saiba demais.
Quisera eu, que como Ismália, as asas ruflassem de par em par. Tenho procurado motivos para continuar, pudesse você me proteger e quisera eu sentir-me protegida. Quisera eu, não ter que crescer mais para ter que encarar tanta verdade, foi tudo tão precoce que eu tenho aquele medo de que possa acabar, mesmo não sabendo se é bom ou ruim, nem sei o que devo sentir, a responsabilidade comigo mesma, meu escudo enfraqueceu e as asas já não alçam voo, por isso te pergunto se daqui posso saltar, porque ao contrário do que dizes sei bem  que lá não terá que me segurar e que sempre estarei sozinha. Comecei tão cedo a voar (ou tentar) contra a parede que acredite, as forças enfraqueceram ao ponto de não conseguir mais.
Quisera eu ser realmente um anjo, quisera eu ter realmente um anjo. Quisera eu poder proteger alguém, descobriria-me então pouco inútil, ou, ao menos querer e poder ter proteção.

Arrependimento


Sabe, eu estive pensando muito bem, nem sei porque te conto minhas centelhas, mas é que às vezes preciso de um amigo, de um ombro. Não acho justo o que fazes, me pisar desta forma não vai te ajudar em nada. Tenho tido pesadelos, sempre estás presente. Eu gostaria de dizer que não preciso de você, mas não dá. Nunca imaginei tua importância em mim, mesmo sendo como és, o tempo passa tão rápido que eu nem me dei conta de que não estavas mais, talvez porque em meu interior já estavas como punhal. Volte quando puder, tua ausência me causa um vazio sem tamanho. Não sei onde estás, me manda um sinal, porque tua luz é o que me significa, sabes bem, estive sem luz por esse longo tempo.
Vez ou outra sinto falta do que poderia ter sido e não foi, sinto sua falta, depois me arrependo do que fiz e não do que deixei de fazer. Fostes boa parte de mim, pior que continuas sendo, mesmo quando a pureza nos servia. Tentou abrir meus olhos para o mundo mas eu quem os abri pra você. Quando me vem as sensações lembro de que não pudesses me machucar mais. Saudade é um martírio e quando é assim, quando a dor é intensa assim, até mesmo quando é bom senti-la, para provar o quanto fraca sou e que era para ser bem pior e foi.

terça-feira, 17 de abril de 2012

Seu eu


No meu princípio só havia dia, no meu fim, só há noite. Andava roubando sonhos, não dormia, bocejava pesadelos, não ouvia a chuva, não a sentia me molhar, não a via riscar vidraças e arranhar asfaltos.
Não lembro o que me passava pela cabeça, se é que eu pensava. Em meus devaneios, atravessei incontáveis noites, repousei imperceptíveis dias e meu único alento era o travesseiro. Muitas vezes passei a noite em claro, num escuro que cegava. Contava lágrimas que caíam lentamente. Acontecia... Acontecia constantemente, numa frequência perturbadora.
Como se fosse hoje, lembro que tudo começava, de novo, e eu, esperançosa de que iria de fato esquecer, e estava esquecendo, você me veio e novamente me calou.
Sempre me dizendo que lições deveria lhe dar, que amor deveria amar, sofrimento que deveria sofrer. Te pedi que se afastasse, que nos meus olhos não mais olhasse, que em minha fraqueza não fracassasse. Na angústia estrépita que eu te sentia, uma amargura árdua estremecia. Nunca soube e nem podia, só tentava resistir, desistir.Superava teus encantos, mas quando já estavas partindo uma voz indecisa pedia pra ficar.
Éramos somente nós, o meu erro foi te retorcer num nó, nó de engano, na mentira do caráter inexistente, num medo que chorava, nas lembranças de um tempo bom que me sorria, de noite, de dia.
No teu espetáculo lamentável de um silencioso sentimento, tivesse platéia para a minha desgraça, eu nunca quis te dizer nunca e quando tentei, recolhesse todos os demônios e todas as tentações me perderam. Subimos nos mais elevados degraus, em passos chocados de tuas pisadas que estremeciam no carpete junto aos teus gritos esporádicos. E então, em momentos assim, engolia toda dor, como desencanto de amor que me punia severamente o profundo.
O inatingível sentimento gritado para o infinito que sempre existiu entre nós. E você, depois dos teus surtos superciliosos, me sangravam, perfuravam todas as veias e desse sangue lavava-me em lágrimas.
Não tenho certeza de quem foste, de quem és, nem se ainda vives nesse mundo só seu, de personagens momentâneos, em que apenas tu, artista, é o centro. Não me coube, não mais me caberá, pois daquele mal que um dia me matou em nós dois, saiba que se ainda não o fez, um dia te matará. Eu, ainda hoje, venho me arrastando sem vã coragem, coragem essa que nunca tive, disfarçava-se na vontade do meu órgão inquieto.
Reneguei inúmeras vezes o teu veneno letal, envenenei-me também diversas, em lápide. Se me viesses agora, já não estaria à tua espera, teu túmulo em mim está vazio, e foi só o que restou, um vazio. O teu corpo e alma (se é que tivesses) ninguém nunca viu.
De toda lembrança que deixo no papel intuindo esquecer de lembrar, do meu soprano em êxtase engasgado, tenho o miserável azar de ter que me abandonar depois que te abandonei, ter que me odiar depois que te odiei, em consequência te amar sendo que nunca me amei e naquela morte definhar já que nessa vida definhei.

Caminhando...


Continuo caminhando... Sozinha. Tem sido longa essa caminhada.
Eu sei que meus pés estão machucados levo comigo uma trajetória de quedas, e minha cabeça dói com o peso que carrega.
Sabe, eu nunca tive medo de fantasmas, de monstros ou de qualquer outra coisa ou fenômeno que me parecesse surreal. Mas nunca tive tanto medo como hoje, mais que antes , ou tanta repulsa de mim que sempre pensei me aceitar. Nem sei se consigo.
Os passos estão lentos, estou tremendo de frio, a respiração está curta, talvez eu precisasse de uma traqueostomia na alma. Mesmo que eu não queira, por favor, caminhe comigo, não quero te cansar mais, só como companhia, não mais que isso, porque talvez eu não aguente. Não estou pedindo para que me alente, não me entenda mal, só caminhe acompanhando meus passos ou se for lento demais pra você, apenas caminhe, tento te acompanhar, pra quem sabe um dia eu poder te alcançar e dizer que por sua causa cheguei. Cansada, mas cheguei, ouvidos surdos, boca silenciada, olhar para o nada pois os olhos já não enxergam, pulmão sem ofegância, coração parado, cheguei, morta mas cheguei.
Como eu gostaria de te dizer... Consciência, que já não és martirizada, que és livre!
© da estante
Maira Gall