" setembro 2017 / da estante

quinta-feira, 14 de setembro de 2017

nos dias de hoje, nada assombra



para a Leão


Nos dias de hoje, tudo me assombra.
Estou escrevendo sem revisar ou reprimir trechos desnecessários. Estou em um momento em que penso que a grande maioria das coisas são desnecessárias então que diferença faz este trecho ou aquele?
De uns tempos pra cá me sinto cada vez mais enjoada com tudo ao redor e, repare bem, isso não é um desabafo. Não sei o que é, ora, e não sou obrigada a saber. Talvez, você. Mas você não sabe. É bom não saber.
Há um rapaz que conheço pouco e há pouco tempo, e ele fala comigo todos os dias. Bom conversar com gente nova, é verdade (embora nem sempre), mas até esses desafogos passam logo. O enjoo volta com força e fica difícil não imaginar que tudo é um tanto desnecessário.
É triste explicar um poema, lembra? Hilda Hilst quem disse. Nem poesia escrevo mais.
Poemas me lembram que posso estar condenada à esperança. Será mesmo possível estarmos todos condenados à ela por mais pessimistas que sejamos? Será que estaríamos mesmo acreditando que algo dará certo? Porque se você pensar comigo direitinho (essa mania desgarrada de utilizar palavras no diminutivo na ilusão de que a afetação será menor - doce ilusão) vai se dar conta de que nada dá certo. Nem o dinheiro que cai na sua conta no fim do mês e que você se considera merecedor dele porque trabalhou duro ou titubeou em algum ofício medíocre como o cotidiano de quem vive mediocremente? Ou porque - por alguma razão que desconheço - você é alguém otimista e que acredita que mudará o mundo no dia em que acordar e buzuntar seu pé direito no carpete sujo e frio do lugar em que você mora. Ou mesmo porque você pode ter algum gosto pela escrita e acredita ter talento quando na verdade essa é a única coisa que você sabe fazer sem que tenha de ser avaliado por isso - e mesmo isso é uma parva ilusão - o que mostra que não é talento o que você tem mas medo de ser avaliado e descobrir, num dia endiabradamente ensolarado, que não tem talento e menos ainda a sapiência de que se acha detentor pelo simples fato de saber destrinchar palavras no papel.

Uma amiga a quem tenho muito apreço me diria:
Você é muito pessimista. Precisa mudar isso.
— Mas caramba! E se ninguém me condenasse à esperança? Quem mal teria que o bem não cobriria? — eu a responderia.

Ela não entende que é tanta vontade de tudo que chega a doer o todo, mas que no fim tudo volta a ser como é.
 E se todas as mentiras que encobrem por um tempo a verdade libertassem todos os sorrisos? Se as lágrimas tivessem um gosto doce então seria mais delicioso chorar? — eu a perguntaria — Essa auto-insatisfação é tão triste e certa que só em pensar na vida satisfeita dá vontade de dar pulos, de cerrar os dentes até ranger e ensurdecer os gritos que outrora foram amargamente abafados.

É de se perguntar, infelizmente, se será o instinto que mente junto às palavras. As que fogem. Que se escondem. Que se dispersam. Que se atrapalham. Que se encontram. Assim, ponto a ponto. Ortograficamente erradas.

O pior é que sempre se aprende, mesmo sem querer.

E essa infâmia dá a esperança, ternamente e de graça.
E não tem graça.
Aprisiona o pensamento ao acreditar que todo dia pode ser diferente
e hoje se acorda feliz, noutro infelizmente.
E para tantas perguntas: interrogações.
Rasas indagações que cavam qualquer ser a ceder.
A água pura mata a sede que se dobra ao perecer.
Saúde ao futuro que instiga responder!

E onde está a água pura dessa fonte de saber
que neste dia eu me assombro
e amanhã será você?

E olha eu aqui de novo e ainda no conto de carocha que é a poesia. Olha que mediocridade essa minha. Mas não somos nós assim? Que diferença faz o que você pensa disso e o que penso eu de mim?

© da estante
Maira Gall